ZILDA ARNS NEUMANN
(homilia da missa de 7o dia na Catedral da Sé – São Paulo, 18 de janeiro de 2010)
Irmãos e Irmãs!
Diante da pessoa e da missão, da vida e da morte da Dra. Zilda Arns Neumann, “a palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4,12). Sua partida dentre nós é uma perda sofrida e irreparável. Da meditação desse mistério, à luz da morte e ressurreição de Jesus Cristo, brotam-nos no coração e na oração alguns pensamentos: a grandeza de sua pessoa e de sua vida, o bem realizado pela pastoral da criança e pastoral da pessoa idosa, o sofrimento do povo do Haiti, e a esperança que renasce como semente de vida, de paz e de justiça.
1. Dra. Zilda: dom de Deus para a Igreja, para o Brasil e para o mundo.
Dra. Zilda foi exemplo em tudo o que fez, como mulher, mãe, cristã, profissional, na área da medicina sanitária. Ficou em cada um de nós a imagem viva de seu sorriso sereno e permanente, de sua inteligência e determinação, da capacidade de organizar e articular, do seu jeito respeitoso que não impunha mas persuadia. Outros atributos de sua personalidade poderiam ser acrescentados como que numa crescente e harmoniosa melodia de amor e doação. Tornou-se referência insubstituível no Brasil e no mundo. Nela, vemos “a fé agindo pela caridade” (Gl 5,6). Nela, e através dela, a caridade se transforma de sonho e utopia em realidade eficiente, operativa, libertadora, conforme orientação das encíclicas de Bento XVI.
2. A Pastoral da Criança e a Pastoral da Pessoa Idosa.
Certa vez, interpelado por uma autoridade da Unicef se a Igreja não poderia desenvolver uma ação para salvar vidas de crianças, o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns indicou sua irmã, a Dra. Zilda Arns, que consultou os filhos e obteve deles o apoio; ela ficara viúva há pouco. Assim, com D. Geraldo Magela Agnelo, em Florestópolis, Paraná, fundou, há trinta anos a Pastoral da Criança. Nunca mais parou. Com serenidade, convicção e competência, foi organizando, expandindo, realizando parcerias, angariando confiança e reconhecimento da sociedade e dos governos. Indo de lugar em lugar, Zilda, confiando nas pessoas, ia motivando e envolvendo-as no acompanhamento a gestantes, no aleitamento materno, na aplicação do soro caseiro, na pesagem, na vacinação – uma verdadeira celebração da vida. Fazendo muito com pouco recurso!
Zilda Arns uniu profissionalismo e tino empreendedor à sabedoria do evangelho de Jesus que, na multiplicação dos pães, ordena: “dai-lhes vós mesmos de comer”. Uniu a mística do evangelho à capilaridade da Igreja, formando uma grande, articulada e comprometida rede de líderes e multiplicadores. Basta visitar uma paróquia, em qualquer parte do Brasil, e lá se verá alguém vestindo a camiseta da pastoral da criança. De fato, a Igreja toda, a partir da CNBB, ‘vestiu a camisa’, abraçando com Dra. Zilda a missão de salvar a vida de crianças pobres.
Nos últimos anos, criou-se a pastoral da pessoa idosa, também coordenada pela Dra. Zilda e trilhando o mesmo caminho, com grandes resultados.
3. Solidariedade ao povo do Haiti.
Dra. Zilda não pensava só nas crianças pobres do Brasil. Foi também à África e outros lugares, implantando a pastoral em vinte países. Há anos, vinha dizendo: ‘temos que ir ao Haiti’. Adiada por duas vezes, a visita acabou acontecendo agora. Atingida pelo terremoto, sua palavra se cala e sua morte se torna um eloqüente, radical e definitivo testemunho de amor e solidariedade, coroado com a oferta da própria vida. Tombada nos escombros da destruição, grita ao mundo que o cansado e abatido povo do Haiti pede socorro e clama por justiça.
Assim escreveu Dom Paulo Evaristo, ao receber a notícia da morte de sua irmã: “Acabo de ouvir emocionado a notícia de que minha caríssima irmã Zilda Arns Neumann sofreu com o bom povo do Haiti o efeito trágico do terremoto. Que nosso bom Deus, em sua misericórdia acolha no céu aqueles que na terra lutaram pelas crianças e os desamparados. Não é hora de perder a esperança” (13.01.2010).
A partir de Zilda e dos outros brasileiros que tombaram, é hora da Igreja e do Brasil não se esquecerem do Haiti, cujo drama, que alia miséria e injustiça, e que vem se arrastando em sua história passada e recente, chega agora ao seu limite. Da realidade da perda profunda e irreparável, Zilda Arns continua emprestando sua voz serena e firme em favor do Haiti.
4. A morte da Dra. Zilda é semente de vida, de paz e de justiça
A Igreja católica e os pobres do Brasil se entristecem e perdem com sua partida. Contudo, sua vida e seu legado não morrem. As Igrejas e as forças vivas da sociedade reconhecem a grandeza de sua pessoa, seu trabalho, seu martírio. À família Arns (a Arquidiocese de São Paulo apresenta) os profundos sentimentos e preces a Deus, Pai de bondade, como expressão de nosso amor e carinho. À pastoral da criança e da pessoa idosa, nosso compromisso em continuar o trabalho de Dra. Zilda. Sendo ela imprescindível, é imprescindível que continuemos. Sua lucidez e coragem nos dão força e esperança.
Jesus passou a vida ensinando e fazendo o bem. Por fim, derramou seu sangue na cruz pela humanidade. A querida e saudosa Dra. Zilda, como Jesus – referência maior de sua vida e seu trabalho – gastou sua vida no amor e na solidariedade, ensinando e organizando ações que salvaram vidas de crianças pobres. Por fim, morreu pela causa que viveu, junto aos pobres do Haiti, cumprindo em sua pessoa o que foi dito sobre Jesus: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).
No dia seguinte à morte de sua irmã, escreveu Dom Paulo Evaristo: “quanto mais medito sobre a vida de Zilda Arns Neumann e seu trabalho em favor das Crianças e Mães pobres, me convenço que a Esperança nasce com a pessoa humana e se realiza plenamente em Deus-Amor. Sinto que foi e é este o sentido da
Vida e Ação da Dra. Zilda Arns Neumann” (14.01.2010).
A vida e morte da Dra. Zilda são sementes de esperança para os povos do Brasil, do Haiti, da África e do mundo.
Dom Pedro Luiz Stringhini
São Paulo, 18 de janeiro de 2010